Em 9 de janeiro, decorreu no Auditório da Academia de Marinha, uma sessão cultural intitulada “O Tesouro do Bom Jesus”, apresentada pelo Professor Luís Filipe Reis Thomaz, Membro Emérito desta Academia.
O Académico, reconhecido especialista em História do Oriente, salientou na sua comunicação o trabalho de investigação que desenvolveu quando da catalogação das 2.333 moedas de ouro e prata encontradas a 1 de abril de 2008 entre os despojos do Bom Jesus, um navio do século XVI naufragado na costa da Namíbia. O achado foi trabalhado por arqueólogos locais e alemães, o que deu origem a um livro e a diversos artigos. A pesquisa das moedas permitiu determinar a data mais provável do naufrágio deste navio da Carreira da Índia, cuja carga foi avaliada em cerca de 70 milhões de euros, com cada moeda de ouro portuguesa a valer 50 mil.
Para elaborar o catálogo, encomendado pelo Instituto de Investigação Científica Tropical, a pedido da embaixada portuguesa em Windhoek, o Professor Reis Thomaz esteve durante uma semana no Banco Central da Namíbia, onde se encontra guardado o tesouro, tendo então descoberto 35 diferentes tipos de moedas. De lembrar que a Numismática é uma ciência auxiliar da História e em Arqueologia as moedas surgem sempre como um importante elemento de estudo já que permitem datar, por vezes com grande rigor, numerosos achados. Explicou o Professor ao afirmar que o hábito de se inscrever numa moeda a data da sua cunhagem apenas se generalizou no século XVII, apesar de existirem outros elementos que permitem chegar a uma datação aproximada, como as efígies e os nomes dos reis e dos príncipes, referências a acontecimentos históricos, frases célebres, brasões e muitos outros símbolos. É também de se ter em conta as cunhagens póstumas, porque por diversas razões alguns soberanos continuaram a cunhar moeda em nome dos seus antecessores.
As investigações efetuadas tornaram possível datar, com razoável precisão, o naufrágio e identificar o navio. Assim, deduz-se dos tipos monetários que o naufrágio teve lugar entre 1525 e 1537. Ora, segundo as crónicas, nesse lapso de tempo apenas um navio se perdeu naquelas paragens – a nau Bom Jesus, da armada de 1533, capitaneada por D. Francisco de Noronha.
A análise da correspondência trocada entre D. João III, que na época residia em Évora, com o Vedor da Fazenda, o Conde da Castanheira, que permanecia em Lisboa, explica-nos a razão porque aproximadamente dois terços das moedas achadas são castelhanas – correspondem ao numerário enviado por mercadores de Sevilha que pagaram adiantadamente as especiarias que haviam encomendado.
As outras mercadorias encontradas na nau (cobre, chumbo, estanho e marfim) correspondem perfeitamente ao que se sabe constituir habitualmente a carga das naus da Índia. É interessante notar que à exceção do marfim (a que gregos e romanos não tinham acesso, importando-o diretamente da África Oriental e da a Índia), esses géneros coincidem quase inteiramente com os que nos primeiros séculos da nossa Era o Império Romano exportava para a Índia. Mais dotada pela natureza em espécies vegetais e não menos desenvolvida que a Europa em matéria de manufaturas, a Índia exportava mais do que importava, sendo por isso o défice da sua balança comercial com o Ocidente compensado em metais amoedados ou amoedáveis.
A exploração da Rota do Cabo pelos portugueses insere-se assim no tradicional padrão do comércio pelas rotas dos Estreitos, que apenas a revolução industrial britânica dos séculos XVIII e XIX viria a alterar profundamente.
Após a comunicação seguiu-se um período de debate em que o Professor Reis Thomaz esclareceu as questões colocadas pela interessada assistência.