Falecimento do 6º Presidente da Academia de Marinha - Almirante Nuno Vieira Matias
O Presidente da Academia de
Marinha, Almirante Francisco Vidal Abreu, em seu nome e de todo o Conselho
Académico, transmite a triste e dolorosa notícia do falecimento do Senhor
Almirante Nuno Vieira Matias, às 7:55 do dia 13 de junho.
Sexto Presidente da Academia de
Marinha, exerceu o cargo durante quase sete anos, entre 2009 e 2015,
acrescentando-lhe brilho e prestígio, reconhecidos nacional e
internacionalmente. Oportunamente ser-lhe-á prestada a devida e merecida
homenagem.
O corpo do Almirante Vieira Matias
estará domingo, dia 14, a partir das 17:30 na Capela Mortuária da Igreja do
Santo Contestável, realizando-se a missa de corpo presente na mesma Igreja, 2ª
feira, dia 15, às 10:15, sendo celebrante Dom Rui Valério, Bispo das Forças
Armadas e de Segurança, seguindo o corpo às 11:00 para jazigo de família no
Cemitério dos Prazeres.
Convidam-se os académicos que
puderem estar presentes na cerimónia fúnebre do dia 15 a fazerem uso do colar-insígnia,
homenageando, também desta forma, o seu antigo Presidente.
Palavras proferidas pelo Presidente da Academia de Marinha, Almirante Francisco Vidal Abreu, por ocasião das cerimónias fúnebres do Almirante Nuno Vieira Matias
(em 15 de
Junho de 2020)
Meu
querido amigo Almirante Vieira Matias
Estou
aqui a despedir-me do académico e meu antecessor como Presidente da Academia de
Marinha. Mas não posso esquecer o militar e marinheiro que foi toda a vida.
O
Almirante Nuno Vieira Matias teve uma carreira profundamente diversificada. Foi
praticamente tudo o que um oficial de Marinha pode ou anseia ser. Teve anos e
anos de mar em que comandou, foi fuzileiro em teatros de guerra, foi Capitão de
Porto, professor da Escola Naval e do prestigiado Instituto Superior Naval de
Guerra, passou mais que uma vez pelo Estado-Maior da Armada, também pela área
do material como Superintendente, foi Comandante Naval e Comandante de um
Quartel-General da NATO e terminou a sua carreira como Chefe do Estado-Maior da
Armada. Este foi um período difícil em que durante os cinco anos do seu mandato
teve que trabalhar com cinco ministros da defesa, mas soube fazer-se sempre respeitar
e por eles foi respeitado.
Por
todas as áreas por onde passava ou em que se envolvia estudava-as
profundamente. Como artilheiro tornou-se um perito em pólvoras e explosivos.
Interessava-se imenso pelo problema da medição do tempo que aprofundou e sobre
o qual fez conferências. Como agricultor sabia ao mais pequeno detalhe tudo o
dizia respeito às variedades de maçãs e outros frutos que plantou e cultivou numa
propriedade que amava, dirigindo com sabedoria todas as fases que o seu enorme
pomar requeria. Era um grande colecionador de relógios e navalhas,
orgulhando-se das suas muitas peças da sua coleção e era sempre com enorme gosto
que explicava a origem e os detalhes de cada uma.
Tinha
enorme orgulho em ter frequentado o Naval Command Course no Naval War College,
nos Estados Unidos da América. Sempre se bateu para que outros tivessem a mesma
oportunidade e até ao fim dinamizou e incentivou os encontros dos ex-alunos
deste curso e suas famílias de que era um entusiasta congregador.
Era
um excelente contador de histórias e havia duas que o entusiasmavam
particularmente – a da célebre Batalha Real a que agora, dizia ele, se teimava erradamente
em chamar de Aljubarrota e o facto de não aceitar que o primeiro Almirante
tivesse sido Manuel Pessanha, o genovês, pois para ele tinha sido Dom Fuas
Roupinho, um bom português.
Toda
esta profusão de extensos conhecimentos que naturalmente emergiam das suas
conversas, levava-me por vezes a ver nele um príncipe da renascença, mas com os
pés bem assentes no século XXI. A sua preocupação em manter-se atualizado
levava-o a acompanhar os temas da defesa e da segurança nacional e
internacional, mas também as áreas do futuro como a biotecnologia, as
engenharias física e química sendo um entusiasta dos avanços do digital. E o
mar, sempre o mar, sua preocupação maior, de que era um paladino defensor.
Escreveu muito e os seus escritos foram publicados, constituindo excelentes
referências deste tema.
Todas
estas suas características fizeram com que, já reformado, tivesse sido
convidado a lecionar no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica
e sido eleito membro da Academia Portuguesa da História e da Academia das
Ciências de Lisboa. Ocupou ainda altos cargos na Sociedade de Geografia de
Lisboa, na Liga dos Combatentes e na Sociedade Histórica para a Independência
de Portugal. Até ao final pertenceu ao Conselho de Curadores da Fundação Oceano
Azul.
Toda
esta vivência fez dele um muito prestigiado Presidente da Academia de Marinha, cargo
que exerceu durante cerca de sete anos. Nesse período foi clara a dinamização
introduzida, trazendo rigor e um pouco mais do sal da nossa experiência como
oficiais da Armada, temperando o puro academismo com os conhecimentos práticos
dos homens que conhecem e viveram o mar. Não posso esquecer o pequeno, mas
importante detalhe, tão marinheiro, de ter trazido para a Academia um sino que,
com as suas badaladas dobradas e singelas, passou a indicar a hora do início
das sessões, lembrando o modelo usado a bordo para assinalar o tempo decorrido
desde o início dos quartos antes, e mesmo depois, da invenção do cronómetro de
bordo. Estou certo que esta tradição perdurará.
Já
sob a minha presidência acompanhou, enquanto pôde, as sessões da Academia.
Sempre interventivo, era dos primeiros a pedir a palavra. Foi um homem notável
que nos vai fazer muita falta. Mas será sempre lembrado como sucede a quem
deixa marca, e principalmente por mim que o tive por chefe direto por três
vezes e quis o destino, tivesse também vindo ocupar esses mesmos lugares por
onde tinha passado, para além do último, a Presidência da Academia.
Sempre
foi um homem de causas pelas quais se batia com convicção. Lembro apenas a sua
revolta quando se aceitou que o 1º de Dezembro pudesse deixar de ser feriado,
ou quando se bateu para que fosse criada uma nova Comissão Parlamentar para os Assuntos
do Mar. E de novo lutou até ao fim, sempre com a esperança de vencer mais esta
batalha da sua vida. E muitas vezes o ouvi dizer: “tanta emboscada que eu venci
na Guiné e esta agora está mais difícil de ultrapassar”. Só que o combate agora
era desigual. Não era uma emboscada montada por homens… era de outra dimensão.
Mas
o exemplo da luta, dos princípios, da amizade, da sã ligação familiar que
manteve ao longo da sua vida e do seu exemplar profissionalismo, ficará para
sempre.
À
Maria Francisca, sua mulher, ao João e à Ana Francisca, seus filhos e aos seus
netos Rita, Maria e Manuel, deixo a minha amizade de muitos anos.
Descanse
com a merecida paz depois desta tão prolongada e inglória luta. Até sempre
amigo.
O Presidente
Francisco Vidal Abreu, Alm.
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Homenagem ao Almirante Nuno Vieira Matias
Recordo
aqui o momento em que o Matias, estando eu já na Reserva, no Conselho
de Disciplina, me manda chamar com urgência ao seu Gabinete, como Chefe
do Estado-Maior da Armada. Chegado à sua presença ordena-me que vá
imediatamente para a Revista da Armada e que a posse seria dada logo que
oportuno.
Nunca na minha vida me tinha passado pela cabeça vir a ser Director da Revista da Armada.
Quinze
anos depois quando deixei a Revista da Armada, o Matias marcou presença
na cerimónia de transmissão do cargo e aproximando-se de mim afirmou –
Roque, não me enganei quando te nomeei há quinze anos Director da
Revista da Armada!
O Almirante Vieira
Matias foi um marinheiro de eleição, exercendo funções praticamente em
todas as áreas da Marinha até assumir as funções de Chefe do
Estado-Maior da Armada, onde teve oportunidade de manifestar as suas
grandes qualidades de caracter, de coragem, de liderança, de capacidade
de comando, de estudo e de uma intransigente defesa da Marinha.
Depois
de deixar a chefia da Armada, o Almirante Vieira Matias foi um acérrimo
defensor da Marinha em instituições culturais nacionais nomeadamente na
Academia de Marinha onde exerceu as funções de Presidente. Foi na
Academia de Marinha que acompanhei estes últimos anos do Almirante
Vieira Matias onde as suas intervenções, sempre de grande oportunidade,
mostravam a grande experiência e saber de toda uma vida ligada à
Marinha.
O Matias foi dos melhores, senão o melhor da nossa geração.
Matias nunca serás esquecido.
Eternamente grato.
LUIZ ROQUE MARTINS, Contra-almirante EMQ
Vice-presidente da Academia de Marinha para a Classe de Artes, Letras e Ciências
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Almirante Vieira Matias, in memoriam
Artigo publicado no jornal "O Observador"
Quando, no início dos anos 80, recebi a minha carta de marinheiro – concedida pelo Capitão do Porto de Portimão – não poderia imaginar que seria a mesma mão a assinar, trinta anos depois, em 2012, a proposta da minha admissão como membro correspondente da Academia de Marinha. Nem que, pelo meio, a mesma mão me entregaria o Prémio Bartolomeu Dias, instituído no âmbito da pós-graduação em Estudos do Mar, ministrada pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Tive o privilégio, ao longo da minha vida, de me cruzar com personalidades verdadeiramente extraordinárias. O Almirante Nuno Vieira Matias foi uma dessas personalidades. Além disso, foi um bom amigo, um Português com letra grande, que amava profundamente o nosso país e o azul do mar. Referia-se a ele próprio, e a alguns que como ele sentiam e pensavam o mar como desígnio e vocação, como sendo um "teimoso do mar". Sei que aos seus olhos mereci o seu reconhecimento quando me incluía nesse "clube de teimosos", nesse grupo das pessoas que, como ele, acreditavam que pelo mar, que tanto passado nos deu, passava um oceano de futuro para Portugal. E, apesar de a minha carreira profissional não estar diretamente ligada ao mar, a verdade é que ao longo de tantos anos o mar tem sido uma presença constante e um permanente fator de inspiração.
Tem sido assim ao longo de mais de cinco décadas de existência e de mais de trinta anos de vida profissional. Exercemos, ao mesmo tempo, funções no Conselho Nacional de Educação. Desse tempo, recordo uma frase que me disse vezes sem conta e que guardo e estimo como uma verdade: "Ou se ensina o mar às novas gerações, ou então o mar ficará perdido". Esta frase foi ganhando um sentido crescente, à medida que os temas do mar foram fazendo caminho no debate e discussão pública, ganhando expressão ao nível institucional e político, designadamente com a criação, em 2003, da Comissão Estratégica dos Oceanos, coordenada por um outro "teimoso do mar", o Dr. Tiago Pitta e Cunha.
Nos anos seguintes, a ideia de criar de raiz uma escola com um projeto educativo ligado ao mar foi ganhando dinamismo. Foi assim que, no final da década passada, estruturamos o projeto educativo do Colégio Pedro Arrupe. Foram tantas as vezes que conversei com o Almirante Vieira Matias sobre o projeto educativo do Colégio, como o mar deveria ser ensinado e constar do currículo, como poderia o mar ser o mote para inúmeros projetos e atividades, que guardo boas memórias dessas conversas, das muitas dúvidas que me desfez, com genuíno sentido de contribuir para a criação de algo em que acreditava! Fosse a sabedoria do académico, a experiência do marinheiro, a clareza do chefe militar, a paciência do pedagogo, havia uma constante nessas nossas conversas: a luz do azul dos seus olhos, a luz de um azul que brilhava intensamente sempre que falávamos do mar, do seu mar, do mar que o Almirante Nuno Vieira Matias amou e compreendeu como poucos.
Que na hora do seu desaparecimento físico, o país saiba honrar condignamente a sua memória e recorrer ao seu exemplo "para ensinar o mar às novas gerações".
João Muñoz de Oliveira
Membro Efetivo da Classe de Artes, Letras e Ciências da Academia de Marinha
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UM GRANDE PORTUGUÊS QUE NOS DEIXOU
"Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade."
Fernando Pessoa, "Prece", Mensagem.
O Almirante Nuno Gonçalo Vieira Matias (Porto de Mós, 9/7/1939 – Lisboa, 13/6/2020), português dos quatro costados, marinheiro dos de antanho, militar distinto e emérito combatente do bom combate, privou-nos do seu convívio no pretérito dia 13 de Junho.
Meteu "proa ao mar" para a derradeira viagem onde, estou certo, descansará em paz nos braços de Neptuno.
A sua memória, porém, merece ser preservada pois marcou muito positivamente a sua passagem pela vida terrena.
Conheci o Almirante Matias já tarde na minha vida, quando ele se despedia da sua longa carreira na Armada Nacional, com seu Chefe de Estado-Maior, cargo que exerceu entre 1997 e 2002.
Na altura tomou uma decisão de rara coragem num chefe militar, ao mandar regressar a portos a quase totalidade dos navios, por falta de condições para o adequado funcionamento da Marinha, em consequência das recorrentes malfeitorias de que a Instituição Militar tem sido alvo por parte dos políticos do Regime Político vigente (no caso, o Governo de António Guterres).
Na altura enviei-lhe um cartão a apreciar e a agradecer-lhe o gesto, em nome de uma organização patriótica de intervenção cívica, de que era presidente da direcção.
A missiva, como é de boa educação teve resposta, sendo de realçar o facto de não nos conhecermos e do Movimento a que pertencia não caber propriamente no âmbito do que se entende por "politicamente correcto".
Quando a Comissão Promotora para a evocação dos antigos combatentes do Ultramar (creio que em 1997) foi solicitar apoio das chefias militares para tal cerimónia, junto ao respectivo monumento, sito perto da Torre de Belém – monumento sagrado da Pátria que uns poucos negregados arrotaram de suas fezes querer agora, demolir – o Almirante Matias foi o único chefe militar que teve discernimento e coragem para apoiar a iniciativa, não se acobardando com a incrível oposição movida contra tal comemoração por parte da Presidência da República (e não só). Mais tarde Vieira Matias viria a integrar ele próprio a Comissão Promotora.
Já antes, aquando dos graves acontecimentos ocorridos na antiga Província da Guiné portuguesa, em 1999, deu mais uma prova da sua capacidade de Comando e Liderança, como chefe militar, ao mandar aprontar parte da esquadra – no próprio Dia de Portugal – de modo a estar pronta a zarpar para aquele território, caso assim determinassem os interesses nacionais, o que não foi aproveitado no imediato, pelo poder político, o que veio a acarretar problemas e erros, que poderiam ter tido consequências graves.
Esta capacidade de comando e liderança – ou seja aquilo que mais importância tem na vida militar, nomeadamente para os oficiais – foi sempre timbre do Almirante Matias, o que se evidenciou nas duas comissões que realizou em África, nas operações que decorriam para a defesa da soberania nacional e da protecção dos bens, património e população portuguesa, entre 1961 e 1975 (e no Estado da Índia entre1954-1961); a primeira em Angola para onde embarcou voluntariamente em 1961, na Fragata Vasco da Gama, após ter terminado o curso na Escola Naval – é nos momentos de crise que se distinguem os grandes homens – e depois no teatro de operações da Guiné, onde comandou o Destacamento de Fuzileiros nº 13, entre 1968 e 1970. Especialidade (fuzileiro) que tirou e juntou à de "artilheiro".
Comandou mais tarde a Fragata João Belo. Pode-se ainda dizer que o Almirante Matias, na sua carreira militar, exerceu cargos em toda a estrutura da Marinha, desde o Estado-Maior, ao ensino; do comando operacional, à logística, autoridade marítima, passando pelos Fuzileiros. Frequentou cursos no estrangeiro e foi Comandante Naval, o que incluía o cargo de Comandante – em - Chefe da Área Ibero Atlântica, da OTAN.
Vieira Matias foi bafejado por uma carreira rica e equilibrada, tanto em tempo de paz, de crise e de guerra, dando sempre boa conta de si, no cumprimento das muitas missões para que foi nomeado.
As 16 condecorações nacionais, de onde se destaca a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo e 10 estrangeiras com que foi agraciado, são uma prova disso mesmo.
O Almirante Matias tinha, porém, uma paixão que, julgo, ultrapassava qualquer outra e espero não estar a cometer nenhuma injustiça – era o Mar.
Vieira Matias não se limitava a ser marinheiro e poder ser um dos nomeados por Pessoa, que estavam "atados ao leme", por vontade de El Rei D. João II! Ele estava impregnado de Mar, creio até que em vez de sangue, lhe corriam nas veias, água do oceano!
Mas não tinha do Mar uma visão egoísta ou de usufruto próprio. Ele sabia – e hoje pouca gente sabe – da importância do Mar para Portugal e como o mar fez Portugal. E foi um paladino defensor da extensão do mar português através do alargamento da Plataforma Continental.
Alicerçado no estudo, na convicção e na fé – o Almirante Matias era um Homem de Fé – tinha uma ideia estratégica e geopolítica do que o mar representa e devia representar para Portugal.
Imbuído deste fervor, que era simultaneamente racional e emotivo – lutou por essa ideia, não só quando marinheiro militar em funções, mas sobretudo depois de abandonar o serviço activo e se ter tornado académico, em várias instituições e prestado relevantes serviços noutras, desde a Academia da Marinha à Academia das Ciências, passando pela Academia Portuguesa da História; da Liga dos Combatentes à Sociedade Histórica para a Independência de Portugal.
Vieira Matias muito contribuiu para que Portugal - que atravessa uma das fases mais sombrias da sua História - começasse novamente a olhar para o Mar com os olhos que nunca devia ter deixado de ter. Mas o caminho a trilhar em termos de vontade, meios e realizações é longo e cheio de correntes e ventos adversos.
A sua paixão pelo Mar está ligada indissoluvelmente ao seu amor por Portugal, o que fez dele um patriota termo que, infelizmente, é hoje abjurado por cidadãos portugueses pouco dignos desse nome.
Aprendeu a sê-lo por ter nascido perto de Aljubarrota, terra que deu o nome a uma dos mais famosos combates da nossa história e que sempre denominava de "Batalha Real".
Vieira Matias era, tanto quanto o meu conhecimento da vida e dos homens alcança, um aristocrata do espírito; bom comunicador e de lhaneza de trato. Possuía um porte fidalgo, um cavalheiro dos mares; dele se pode dizer que tinha um "bom ar", frase que melhor se sente do que se explica.
Gostava da vida e viveu-a bem e intensamente. Por isso lutou estoicamente com a doença, como um bom combatente que era, e sempre a encarou como uma "emboscada do inimigo".
Devo-lhe muitas atenções, que apenas pude ir retribuindo com camaradagem, amizade e consideração leais.
Devo-lhe especialmente ter sido minha testemunha num nefando processo de que fui alvo, onde mais uma vez, demonstrou a sua verticalidade de carácter, coragem e portuguesismo.
Costumava dizer "que quem não conseguia estar a horas, chegava cinco minutos mais cedo".
Deixou-nos na sua hora.
Para mim, seus familiares, camaradas e amigos serão sempre cinco minutos antes do que devia.
Em respeitosa continência estou, no cesto da gávea, até ver desaparecer o horizonte.
João José Brandão Ferreira, Oficial Piloto Aviador (Ref.)
Membro Efetivo da Classe de Artes, Letras e Ciências da Academia de Marinha
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Almirante Vieira Matias
Soubera e pudera eu ser bafejado pelo dom de traduzir o desgosto pela partida do Almirante Vieira Matias para a sua mais brilhante missão, e certamente me sentiria feliz por poder juntar-me a tantos que nesta hora manifestam os seus sentimentos em palavras justíssimas, sobre quem foi enorme entre os maiores da sua geração.
Ao longo de três anos de calvário, percorrendo uma estrada tão difícil, que grande lição de coragem, de exemplo para todos, sabe Deus com que sacrifício, que o Almirante Matias nos deu, prova maior de amizade total, dando-nos a coragem que deveríamos ser nós a dar-lha,
transmitindo-nos a esperança em que Ele próprio talvez não acreditasse.
Homem de Fé, mostrou a fibra impressionante de um guerreiro quando no palácio da Independência, em Novembro passado, se mostrou a uma sala cheia, agradecendo a homenagem então prestada como se esta fosse o corolário de mais um feito alcançado na sua ida de grande marinheiro e de líder incontestado. Até sempre Amigo Almirante Vieira Matias, tantos que tiveram o privilégio como eu de sentirem o quanto considerava e admirava a nossa Reserva Naval, o agradecimento aqui manifestado nestas sempre curtas palavras de saudade.
Junto à minha a dor de sua Família.
José Pires de Lima, Eng. (do Curso NT da Reserva Naval)
Membro Correspondente da Classe de Artes, Letras e Ciências da Academia de Marinha
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Versão digital de uma estrofe de "Os Lusíadas"
que o Sr. Almirante Vieira Matias teve a gentileza de copiar e autografar em Novembro de 2011
Coleção família do CALM Alfredo Motta
Manuel Galvão de Melo e Mota, Professor da Universidade de Évora